Fenómeno meteorológico devastador, a Tempestade Dana, em Valência, veio reforçar a urgência de discutir mudanças climáticas, reforçar a preparação e sensibilização para este e outros tipos de fenómenos extremos.
A Espanha viveu, recentemente, um dos episódios meteorológicos mais devastadores do século, com a região de Valência no epicentro da catástrofe. Em apenas algumas horas, o equivalente a um ano de precipitação desabou sobre a região, levando a grandes inundações que deixaram um rasto de destruição, mais de duzentas vítimas e dezenas de desaparecidos.
O Que é a Dana e Como se Forma?
O fenómeno meteorológico responsável por este desastre é conhecido como Depressão Isolada em Altos Níveis (Dana), um termo específico utilizado pelos meteorologistas espanhóis para descrever uma massa de ar polar extremamente fria, que se desloca a altitudes de 5000 a 9000 metros. Quando esta massa de ar gélido colide com o ar quente e húmido do Mar Mediterrâneo, especialmente no final do verão, forma-se um ambiente de extrema instabilidade atmosférica.
Esta combinação explosiva faz com que o ar quente suba rapidamente, gerando nuvens de tempestade massivas, carregadas de humidade. É precisamente esta dinâmica que explica a brutalidade das chuvas recentes e tão repentinas (como se pode constatar no vídeo abaixo.) Em alguns locais, registaram-se impressionantes 445,4 litros de precipitação por metro quadrado, o equivalente a um ano de chuva em algumas áreas. No caso de Valência, os números são igualmente assustadores, com mais de duzentas vítimas mortais e com mais de duas mil pessoas ainda desaparecidas.
Nunca había visto algo tan impactante en España. Recopilatorio de la destrucción de Dana. Durísimo pic.twitter.com/LGxcn3Pzy7
— Jesus Plaza (@JesusPlazaX) November 1, 2024
The chronology of the DANA in Benetússer (Valencia).pic.twitter.com/P28rXQ56QL
— Trend Tracker (@itswpceo) November 1, 2024
Um Fenómeno Cada Vez Mais Frequente?
Embora a Tempestade Dana seja um fenómeno relativamente comum no Mediterrâneo, nem todas as ocorrências resultam em tempestades tão intensas. No entanto, os cientistas alertam que a frequência e a severidade de fenómenos como este têm aumentado devido às mudanças climáticas.
Friederike Otto, da Universidade Imperial College London, afirma que “a cada grau de aquecimento, a atmosfera retém mais humidade”, o que aumenta significativamente a intensidade das chuvas. O Mar Mediterrâneo, cujas temperaturas têm subido de forma alarmante, fornece a energia necessária para estas tempestades extremas. O ar quente e saturado de humidade sobe rapidamente, criando condições ideais para a formação de aguaceiros violentos.
A História e o Impacto das Danas na Península Ibérica
A meteorologista Delia Gutiérrez, da Agência Meteorológica Espanhola (Aemet), recorda que Danas de grande impacto marcaram a história recente de Espanha. Em 1973, por exemplo, Almeria, Granada e Múrcia foram severamente atingidas, resultando em perdas materiais significativas e várias vítimas mortais.
No caso atual, a Aemet classificou a Tempestade Dana, em Valência como “a mais adversa do século”. Combinando ventos fortes, tornados e chuvas torrenciais, este evento trouxe o caos a várias cidades, deixando milhares de pessoas ilhadas e destruindo infraestruturas essenciais.
Mudanças Climáticas e Infraestruturas Desatualizadas
Especialistas apontam que os efeitos das mudanças climáticas vão além da mera intensificação das chuvas. “Estamos a assistir a eventos mais frequentes e devastadores”, diz o meteorologista Matt Taylor. Além disso, há evidências de que a intensidade das chuvas afeta diretamente a capacidade de absorção dos solos. Um verão mais quente “assa” o solo, tornando-o menos permeável, o que agrava as inundações.
Outro problema crítico é a infraestrutura. Pontes, estradas e sistemas de escoamento foram projetados para um clima menos extremo, deixando muitas áreas vulneráveis. O professor Mark Smith, da Universidade de Leeds, salienta que as nossas cidades não estão preparadas para lidar com o clima do século XXI, o que realça a importância da necessidade de irmos criando planos de atualização de infraestruturas mais adaptadas, bem como políticas de controlo às alterações climáticas que temos vindo a assistir.
A Ameaça da Depressão DANA: Estaria Portugal Preparado?
A devastação em Valência causada por chuvas torrenciais trouxe preocupações sobre o quão preparado estaria Portugal para lidar com uma depressão ou Tempestade DANA. Apesar dos planos teóricos detalhados, especialistas destacam lacunas significativas na prática. Jorge Mendes, comandante dos Bombeiros de Cabo Ruivo, aponta que, embora existam alertas SMS emitidos pelo IPMA, a falta de rede e a vulnerabilidade da população idosa no interior comprometem a eficácia. Algumas cidades, como Lisboa, não dispõem de meios suficientes para intervenções de grande escala.
Duarte Caldeira, investigador da Proteção Civil, sublinha a importância da colaboração da comunicação social na disseminação de informação e da necessidade de educar a sociedade para uma “cultura de risco”. Ele menciona três desafios principais: falhas no ordenamento do território, incapacidade urbana de gestão de caudais e o impacto das mudanças climáticas. Em situações de emergência, recomenda-se que as populações evitem sair de casa, preparem kits de emergência e sigam as diretrizes das autoridades.
Em Lisboa, mas também noutras cidades, iniciativas como a plataforma LXResist e pontos de encontro são exemplos de algumas medidas preventivas, porém a preparação da sociedade ainda precisa de maior investimento, empenho dos governos e financiamento para se colocarem todas estas medidas em prática.
“O Dia Depois de Amanhã”
Para além da destruição, a Tempestade Dana serve como um sério e urgente aviso sobre a necessidade de atualizar as infraestruturas e adotar medidas de prevenção. A falta de alertas precisos foi também alvo de críticas, embora prever a trajetória exata de uma depressão Dana seja sempre um desafio complexo.
De realçar é o sentimento de união, com a enorme onda de solidariedade em todo o país, com centenas de pessoas a chegarem a pé ou de carro às zonas afetadas, fazendo-se acompanhar de água, bens de primeira necessidade, pás e vassouras para ajudar a remover a lama e destroços.
O fenómeno da Tempestade Dana não é novo, mas a sua crescente destrutividade levanta questões sérias sobre como nos preparamos para o futuro num mundo em aquecimento. Como destacam os especialistas, fenómenos climáticos como este podem tornar-se cada vez mais frequentes, exigindo que as políticas de gestão ambiental e urbana sejam repensadas de forma robusta e ainda mais proativa.
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