O Ozempic, é um medicamento desenvolvido pela farmacêutica Novo Nordisk, que se tornou num fenómeno global, tanto pelo seu impacto na gestão da Diabetes Tipo II como pelo seu uso controverso como auxiliar na perda de peso.
Tabela de Conteúdos
Esta dupla utilização improvisada tem gerado um aumento significativo na procura, trazendo ao de cima questões tão pertinentes, como as éticas (será correto dar-se uso de um medicamente para uma determinada função, para o qual esse medicamento nem está aprovado), de saúde pública (colocando em risco os doentes que, de facto, dele precisam) e de sustentabilidade financeira para os sistemas de saúde por todo o mundo, com as despesas nas prescrições a disparem, incluindo no Serviço Nacional de Saúde (SNS) português
Ozempic: O Que é?
É um medicamento que tem como substância ativa o semaglutido, um agonista dos recetores GLP-1. Este é um composto que atua simulando uma hormona, produzida naturalmente pelo corpo humano e que regula o no nosso organismo de forma variada, como aumentar a secreção de insulina, reduzir a secreção de glucagon e regular os níveis de açúcar no sangue, dando indicações ao nosso cérebro de que estamos alimentados, diminuindo a fome e induzindo a sensação de saciedade.
No entanto, este é um medicamento que está apenas indicado no tratamento de adultos com Diabetes Tipo II, sendo administrado através de uma injeção semanal. Como tal, não tem qualquer indicação clínica para pacientes que queiram controlar o peso ou outro qualquer tipo de objetivo com a redução de peso. O não cumprimento desta norma é a chamada utilização off-label. No entanto, os seus eficazes resultados na perda efetiva de peso, mesmo em pessoas sem diabetes, rapidamente o transformou num dos medicamentos mais procurados em todo o mundo.
A toma deste medicamento sem qualquer supervisão ou aconselhamento, pode fazer-se acompanhar de eventuais efeitos secundários, o que obrigou a OMS (Organização Mundial da Saúde) a emitir alertas também para o surgimento de unidades falsificadas, pelo que o Infarmed, seguindo essa mesma linha de prevenção, também recomenda que o Ozempic seja apenas adquirido em farmácias, até porque a sua venda online está expressamente proibida.
Indicação Oficial vs Uso Não Aprovado
Embora o Ozempic seja aprovado exclusivamente para o tratamento da Diabetes Tipo II, a sua utilização fora da indicação aprovada para perda de peso, tem-se tornado uma prática comum. Esta procura, impulsionada pelas redes sociais e pela cultura de emagrecimento, tem gerado sérias consequências, como a rutura de stocks nas farmácias e bastantes constrangimentos na venda aos que realmente necessitam dele, o que tem suscitado bastante preocupação em entidades como o Infarmed e a Agência Europeia do Medicamento (EMA).
Em Portugal, o SNS comparticipa em 90% os medicamentos à base de semaglutido, como o Ozempic, apenas para pessoas com Diabetes Tipo II insuficientemente controlada e um Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 35. Fora deste contexto, o custo do medicamento recai integralmente sobre o paciente, podendo este atingir os 250 euros por mês.

Efeitos Secundários do Ozempic
As reações adversas mais frequentes identificadas nos estudos foram, essencialmente, a nível gastrointestinal, com náuseas e diarreia como sendo os principais, bem como vómitos, ainda que com menos frequência. Regra geral, todas as reações detetadas foram consideradas de gravidade ligeira ou moderada e com efeitos de curta duração. Outras das consequências da toma deste medicamento, está relacionada com o facto de atrasar o esvaziamento gástrico, o que pode fazer com que a absorção de outro tipo de medicação, normalmente ingerida por via oral, seja alterada, devendo, por isso, ser usada com precaução.
Impacto no Serviço Nacional de Saúde
Os dados não deixam dúvidas: o Ozempic é já o quinto medicamento mais dispendioso para o SNS. Entre janeiro e outubro de 2024, o custo do fármaco para o Estado foi de 33 milhões de euros, representando um aumento de 7% em relação ao mesmo período de 2023. Esta despesa integra uma realidade mais ampla, onde os antidiabéticos constituem a classe terapêutica com maior peso financeiro para o SNS, totalizando mais de 342 milhões de euros no mesmo período.
A Crise de Abastecimento
Com tamanha procura, tem-se assistido também a alguma escassez nas farmácias, não só em Portugal, mas em toda a União Europeia. Durante o verão de 2024, registaram-se ruturas de stock, que dificultaram o acesso ao medicamento para os diabéticos. Esta situação levou o Infarmed a emitir alertas e a implementar medidas de controlo, como a inclusão de um aviso nos sistemas de prescrição eletrónica, com o intuito de reforçar o cumprimento dos critérios de comparticipação.
Consequências para a Saúde Pública
A EMA, tal como vários especialistas da área e, nomeadamente a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), alertam para os riscos do uso indevido e desnecessário do Ozempic. A prescrição para pessoas que desejam emagrecer por razões estéticas, sem indicação médica apropriada, não só coloca pressão sobre o abastecimento, como também pode desviar recursos de quem realmente necessita deste medicamento.
Segundo a Dra. Margarida Santos, numa recente entrevista, a qual partilhamos e convidamos a ouvir, há quem use esta medicação tendo apenas como objetivo perder 3 ou 4 quilos para o verão, algo que se torna insustentável para a saúde pública.
Medicação vs Alimentação
Certos alimentos podem influenciar os níveis de GLP-1, uma hormona associada à saciedade e à regulação do açúcar no sangue. Os macronutrientes, como açúcares simples, proteínas e gorduras saudáveis, desempenham um papel crucial neste processo. Alimentos como abacate, nozes, ovos e vegetais ricos em fibras fermentáveis estimulam a produção de GLP-1 diretamente ou através de ácidos graxos de cadeia curta produzidos pelas bactérias intestinais.
Embora o exercício físico, principalmente associado a uma dieta rica em gordura, fibra e proteína ajude a prolongar a saciedade e seja benéfica para o controlo do peso e até da Diabetes Tipo II, a regulação do GLP-1 varia entre indivíduos. Estudos indicam que pessoas com obesidade apresentam níveis mais baixos desta hormona, o que pode estar relacionado com fatores genéticos, menor sensibilidade dos recetores ou degradação aumentada. Assim, nem todos beneficiam de forma igual das estratégias dietéticas destinadas a aumentar o GLP-1.
Em suma, é possível alcançar os mesmos objetivos, só que o “preço a pagar”, é o tempo consideravelmente mais prolongado para se começarem a constatar. A via medicamentosa, por outro lado, é mais rápida, ainda que com riscos significativamente maiores e já abordados.
O Papel da Indústria Farmacêutica
A Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, afirma estar a trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana, para responder à elevada procura. A empresa está a investir na expansão da capacidade produtiva, incluindo a construção de novas fábricas. Apesar destes esforços, são vários os especialistas que defendem que é essencial um maior controlo na prescrição e distribuição do medicamento, bem como a exploração de alternativas terapêuticas para a gestão da diabetes e da obesidade.
Perspetivas Futuras
A sustentabilidade do uso do Ozempic, bem como de outros medicamentos similares, como o Trulicity (dulaglutido) e o Victoza (liraglutido), depende de uma abordagem equilibrada, abordagem essa que precisa de ter em conta tanto os benefícios clínicos como as limitações de recursos. Para garantir o acesso prioritário aos doentes que mais necessitam, o controlo rigoroso da prescrição é indispensável. Paralelamente, o debate sobre a comparticipação para tratamentos da obesidade permanece aberto, especialmente considerando o impacto desta condição na saúde pública.
O Ozempic é um exemplo claro e objetivo dos desafios que os sistemas de saúde enfrentam, numa era de inovação farmacológica e crescente procura global. Enquanto medicamento essencial para a gestão da Diabetes Tipo II, a sua eficácia e popularidade criaram uma tempestade perfeita de dilemas éticos, financeiros e de saúde pública. Caberá agora às autoridades, aos profissionais de saúde, à indústria farmacêutica, mas também a todos nós, como cidadãos de uma sociedade mundial, encontrar soluções que equilibrem necessidades clínicas, justiça social e sustentabilidade.