Num mundo onde a realidade e a ficção frequentemente se entrelaçam, o filme Conclave emergiu como um espelho provocador dos bastidores do Vaticano.
A morte do Papa Francisco, um evento que inevitavelmente ecoou pelo mundo, trouxe consigo uma onda de reflexão e, curiosamente, reacendeu o interesse por uma obra cinematográfica que mergulha nas complexidades e tensões que se escondem por detrás das paredes do Vaticano: o filme Conclave. Lançado em 2024, este thriller dramático oferece uma visão ficcional, mas inquietantemente plausível, do processo secreto e carregado de intrigas que se desenrola após a morte de um Sumo Pontífice: o conclave.

Estreado em Portugal em novembro de 2024, o filme mergulha-nos nos bastidores do Vaticano durante um conclave para eleger um novo Papa – um processo envolto em mistério, intriga e uma pitada de suspense político. A produção do filme Conclave foi uma empreitada cinematográfica que procurou equilibrar o suspense de um thriller político com a solenidade e o peso histórico do evento que retrata. Realizado por Edward Berger, um nome já aclamado por trabalhos como a série “Patrick Melrose”, o filme contou ainda com um elenco de peso, incluindo Ralph Fiennes, Stanley Tucci e John Lithgow, nos três papéis principais.
Com um orçamento de 20 milhões de dólares, valor que se pode considerar relativamente modesto, tendo em conta que se trata de uma obra com uma forte temática histórica e biográfica, o filme Conclave arrecadou uns impressionantes 116,4 milhões de dólares mundialmente, tornando-se um sucesso de bilheteira. O filme foi globalmente bem recebido pela crítica – que elogiaram a tensão narrativa e a reconstituição detalhada do Vaticano, mas com alguns a acharam o ritmo demasiado lento em certos momentos, bem como pelo púbico – que debateu essencialmente a veracidade dos eventos, com muitos a questionarem: “Será que isto podia mesmo acontecer?”.
Em total acordo, tanto pelos críticos como pelo público, o destaque para a performance de Fiennes e a direção de Berger. O filme Conclave foi nomeado para oito Óscares, vencendo na categoria de Melhor Argumento Adaptado, e conquistando quatro prémios BAFTA, incluindo o de Melhor Filme.

O argumento de Conclave – sem revelar spoilers prometemos! – centra-se na inesperada morte do Papa e nas manobras secretas que antecedem a reunião dos cardeais eleitores para escolher o seu sucessor. A narrativa acompanha o Cardeal Lawrence (Fiennes), um homem atormentado por segredos do passado, enquanto ele tenta navegar pelas alianças e rivalidades que emergem entre os cardeais. À medida que o Conclave se inicia, um clima de desconfiança instala-se. Candidatos aparentemente óbvios enfrentam resistências inesperadas, e segredos obscuros vêm à tona, lançando dúvidas sobre a idoneidade de alguns dos principais nomes na corrida papal.
O filme tece uma teia complexa de lealdades mutáveis, ambições desmedidas e a pressão avassaladora de escolher o líder espiritual de mais de mil milhões de católicos. Vemos os cardeais debaterem fervorosamente, negociarem nos corredores isolados da Capela Sistina e confrontarem-se com as suas próprias consciências. A beleza austera do cenário vaticano contrasta com a intensidade das emoções e a crueza das estratégias políticas em jogo.

O suspense adensa-se à medida que o processo de votação avança, com fumos brancos e pretos a ditarem o ritmo da espera ansiosa do mundo exterior. O filme prende-nos com a tensão palpável do momento, com a banda sonora omnipresente e ruidosamente silenciosa, mas inteligentemente evita revelar o nome do novo Papa até aos seus momentos finais, mantendo o mistério e a nossa curiosidade intactos. E sim, o final não deixa de ser muito surpreendente.
O que mais fascina é a forma como o filme equilibra ritual e realismo. As cenas dentro da Capela Sistina, com os cardeais a votar em silêncio, são meticulosamente fiéis ao processo real. No entanto, a trama introduz elementos ficcionais – como certas conspirações e revelações pessoais – que adensam camadas ao drama sem, contudo, perder o contacto com (uma certa) plausibilidade.
O filme Conclave consegue assim entrelaçar uma realidade (perfeitamente plausível) com uma ficção (perfeitamente realista), o que acabou por levantar inúmeras questões sobre o que é real e o que é ficção nesta obra cinematográfica. E há de facto um cuidado extremo em todo o Processo do Conclave, o início do filme, com o retrato da morte do papa, e todos os procedimentos a que tal situação obriga, captura toda a essência de uma forma quase perfeita, pois acerta nos detalhes: cardeais trancados até haver consenso, as urnas de votação, o fumo branco/negro, o silêncio, a união e o secretismo durante o processo. Até a “Senhora dos Conclaves”, uma freira que serve os cardeais, existe de facto na vida real.

Da mesma forma, não podemos deixar de referir as Manobras Políticas, as quais, embora naturalmente exageradas, demonstram bem as facções dentro do Colégio Cardinalício (conservadores vs. liberais), representando um reflexo fiel das tensões atuais. Por fim, os Segredos dos Cardeais. Sem entrar em pormenores, o filme explora escândalos que, infelizmente, não são totalmente implausíveis, principalmente se tivermos em conta todas as polémicas mais recentes no seio da Igreja. Sem querermos parecer repetitivos, reforçar que o final não deixa de ser bastante interessante e até muito provocador, nos tempos que correm.
No entanto, é importante sublinhar que o filme Conclave é uma obra de ficção. As personagens e os segredos específicos que vêm à tona na história são criações dos argumentistas. A rapidez com que os eventos se desenrolam e a intensidade dramática são certamente aumentadas para efeito cinematográfico. Na realidade, os conclaves podem durar dias, semanas ou até meses, e o processo de discernimento e votação é geralmente mais lento e menos repleto de reviravoltas chocantes do que aquelas que são apresentadas no filme.

A morte do Papa Francisco trouxe uma nova atenção ao filme, que retrata um cenário semelhante de transição papal. Conclave oferece uma visão intrigante dos desafios e debates internos da Igreja Católica, tornando-se uma obra particularmente pertinente neste momento de mudança.
Ainda assim, o filme Conclave oferece uma janela intrigante para um mundo habitualmente envolto em mistério. É um filme que nos convida a refletir sobre a complexa interação entre o poder terreno e a autoridade espiritual, sobre as vontades e os desejos pessoais e do grupo de cardeais. Em tempos de vaga papal, Conclave apresenta ao público, ainda que de forma ficcionada, o processo crucial que irá escolher o próximo líder e que moldará o futuro da Igreja Católica. Uma leitura cinematográfica absorvente que, à luz dos recentes acontecimentos, ganha uma ressonância ainda mais profunda e inquietante.