Do criador de “The End of the F***ing World, Charlie Covell regressa com uma nova série, KAOS, que tem como premissa a mitologia Grega, numa nova e muito contemporânea abordagem.
É certo que à primeira vista, o tema possa parecer apenas interessar a um certo nicho entusiasta sobre a temática de deuses gregos, porém e conforme vamos avançando nos oito episódios que compõem a série, vamos percebendo que é muito mais do que isso e, seguramente, com uma abordagem bem afastada daquela a que estamos eventualmente mais habituados.
Kaos é assim uma série intrigante e inovadora, que “primeiro estranha-se e depois entranha-se”, que consegue misturar humor, drama e o absurdo de uma maneira interessante e cativante, criando uma experiência que tem tanto de divertida como provocadora e até, por vezes, brutalmente cínica.
Se, por um lado, o conhecimento empírico da mitologia grega pode parecer importante para quem começa a visionar a série, pois realmente parece ser importante conhecermos quem é quem e quem é o quê, por outro, a série acaba por se afastar tanto das suas origens, e da própria mitologia, que acaba por ser um elemento facilitador não a conhecer de forma tão aprofundada, fazendo com que, gradualmente, cada um de nós vá conhecendo a realidade não mitológica, mas sim a realidade de KAOS.
A série brinca com o conceito de deuses gregos num cenário moderno, explorando a complexidade de suas personalidades e suas interações com os humanos de uma forma que é, ao mesmo tempo, surreal e entusiasmante. Os visuais vibrantes e a riqueza dos cenários também merecem destaque, já que ajudam a transportar o espectador para um mundo que é, ao mesmo tempo, familiar e completamente novo. Da mesma forma, não há como não referir a excelente escolha musical que compõem a banda sonora, nomeadamente no primeiro episódio, mas não só e de onde se destacam nomes como; Dire Straits com “Money for Nothing”, Abba “Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight)”, Iggy Pop “The Passenger”, Rupert Holmes “Escape (The Pina Colada Song)”, Judy Garland “Over the Rainbow”, Fatboy Slim “Praise You” e David Bowie “The Man Who Sold the World”.
Em KAOS temos uma família de deuses, liderada por Zeus, neurótico e paranóico, brilhantemente interpretado por Jeff Goldblum, num papel que parece ser feito à medida deste, que está em conflito consigo próprio, com a sua família, bem como com os humanos. Prometeus é o narrador que nos guia nesta história, Orfeu tenta trazer a sua amada Eurídice de volta à vida, mas também temos Hades, Poseidon, Hera, Medusa, entre muitos outros. É quando começamos a perceber a forma intrincada como a vida dos humanos e deuses se entrelaça, que faz com que depressa e facilmente percebamos o “KAOS” em que o mundo se encontra nesta nova visão “do mundo”.
KAOS tem sido maioritariamente elogiada, principalmente pelo seu arrojo visual, narrativo e interpretativo, mas também algo criticada pelo facto de, em certas ocasiões, a série poder parecer confusa, já que não segue uma lógica tradicional e onde podemos facilmente perder referências, tanto no acompanhamento do argumento, como à própria mitologia grega. Apesar de ser uma perspectiva crítica aceitável, até porque há episódios melhores do que outros, contudo, não creio se tratar de uma série que seja de difícil visualização ou até uma tão complexa de se seguir que acabe por afastar o espectador. O primeiro episódio é realmente um deleite em todos os aspetos. A meio aparece a habitual revelação que lança a segunda metade da série e o último episódio deixa, como é recorrente nos dia de hoje, todas as portas abertas para uma possível e quase certa continuação.
É um facto que o argumento talvez seja aqui e ali algo por demais rebuscado, mas, por outro lado, é igualmente inegável o brilhantismo na mistura de intriga, comédia, romance, tragédia e variadíssimos elementos fantásticos, que a tornam uma experiência única e uma proposta rara na atualidade. É precisamente com esta radicalidade que muitos poderão sentir algum atrito inicial, todavia, se se deixarem levar pelos personagens e histórias de cada uma, sem pretensões ou preconceitos elaborados de antemão, vão conseguir chegar ao fim com uma agradável sensação de preenchimento, mais que não seja por se tratar de algo diferente do que estamos habituados. Numa altura em que as produções são, na sua grande maioria, facilmente esquecíveis, KAOS talvez seja mesmo uma das maiores lufadas de ar fresco dos últimos tempos proveniente do universo Netflix.
No geral, é uma série que vale a pena assistir, principalmente se estiver receptivo a algo diferente, a algo que mistura mitologia, comédia e humor negro, críticas a uma sociedade demasiado hierarquizada e formatada, bem como apontamentos, mais ou menos subtis, sobre poder, controlo e a forma como quem os detém os gere.
Apesar de ainda não estar confirmada, Charlie Covell já confessou ter planos para um total de pelo menos três temporadas, pelo que o anúncio desta segunda epopeia grega, tendo em conta as audiências e as críticas no geral, não deve tardar.
Veja o trailer de KAOS, disponível na Netflix desde o dia 29 de Agosto.
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