Mais de metade do desperdício alimentar na Europa é gerado em contexto doméstico. Gestos simples, como arrumar bem os alimentos no frigorífico, podem fazer a diferença. Este guia de 8 passos explica-lhe como.
A dimensão do problema
Os números relativamente ao desperdício alimentar são realmente alarmantes. Cerca de um terço de todos os alimentos produzidos em todo o mundo são desperdiçados ou perdidos ao longo da cadeia de abastecimento alimentar. Muitas dessas perdas ocorrem, precisamente em nossa casa, durante o armazenamento ou manuseio dos alimentos.
Na União Europeia (UE), estima-se que o desperdício alimentar ronde 59 milhões de toneladas de alimentos todos os anos — o que equivale a dizer que cada cidadão europeu deita fora cerca de 132 kg de alimentos por ano. No contexto doméstico, os dados mais recentes apontam que mais da metade do desperdício alimentar na UE acontece dentro das casas — ou seja, em função de hábitos de compra, de conservação, de organização e do aproveitamento das sobras. Portanto, cada gesto conta — e arrumar bem os alimentos no frigorífico é um desses gestos.
1. Princípios básicos para organizar bem o frigorífico
Para que o teu frigorífico seja um aliado (e não um inimigo) contra o desperdício alimentar, há algumas regras de ouro que convém seguir:
O interior de um frigorífico não tem temperatura uniforme — há zonas mais frias, zonas mais quentes e zonas sujeitas a variações térmicas.
- As partes mais frias servem melhor os alimentos de alto risco, como carnes frescas, peixe ou produtos crus.
- As prateleiras intermédias são geralmente mais adequadas para laticínios, iogurtes, ovos ou alimentos prontos a consumir.
- A porta do frigorífico é a zona menos fria (sujeita a mais variações de temperatura), e serve bem para condimentos, molhos, bebidas, mas não para produtos muito perecíveis.
- As gavetas inferiores são ideais para frutas e legumes, frequentemente com controlo de humidade para evitar que murchem ou se estraguem cedo.
2. Colocar os alimentos segundo risco e categoria
A ideia é evitar contaminações cruzadas (por exemplo, sucos de carnes cruas a pingar sob alimentos prontos a consumir) e fazer com que os alimentos mais vulneráveis fiquem nas zonas mais frias.
- Na parte inferior (ou prateleiras inferiores): carnes cruas, peixes, aves — sempre em recipientes bem lacrados ou caixas que evitem fugas de líquidos.
- Nas prateleiras intermédias: alimentos cozinhados, sobras controladas, laticínios, iogurtes.
- No topo: alimentos já prontos a consumir, saladas, pratos frios e alimentos mais perecíveis.
- Porta: condimentos, molhos, bebidas, manteiga — produtos que toleram pequenas variações de temperatura. Evitar produtos muito perecíveis como leite ou ovos, embora muitas pessoas os coloquem ali por hábito.
3. Respeitar os prazos de validade e aplicar a regra “primeiro a entrar, primeiro a sair”
Coloque sempre à frente os alimentos cujo prazo de validade está mais próximo, de forma a consumi-los primeiro e evitar que fiquem esquecidos até estragarem. Isso ajuda muito a reduzir desperdícios. Também convém etiquetar recipientes com restos, indicando o que é e a data em que foram guardados afim de evitar desperdício alimentar.
SABIA QUE: Há frigoríficos que já têm a tecnologia de leitura de código de barras para automaticamente receber alertas com as datas limites de validade.
4. Nunca guardar alimentos quentes diretamente no frigorífico
Se colocar comida ainda quente no interior do frigorífico, isso eleva a sua temperatura interna, prejudicando todos os alimentos já lá e forçando o aparelho a gastar mais energia. Por isso, antes de guardar, arrefeça os alimentos — por exemplo, colocando o recipiente em água gelada ou num banho de gelo, ou dividindo em recipientes mais pequenos para que a dissipação de calor seja mais rápida. A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) também recomenda que os alimentos cozinhados ou perecíveis sejam refrigerados prontamente (abaixo de 5 °C) e que não fiquem mais de 2 horas à temperatura ambiente.
5. Não sobrecarregar os compartimentos
Um frigorífico cheio impede a circulação adequada do ar frio, criando “pontos quentes” e comprometendo a refrigeração uniforme, ajudando ao desperdício alimentar. Deve haver espaço para que o ar circule entre os alimentos.
6. Manter a temperatura certa — entre 0 e 5 °C
Os alimentos frescos/refrigerados devem ser conservados entre 0 e 5 °C para inibir a multiplicação de microrganismos. Um termómetro dentro do frigorífico pode ajudar a certificar-se de que está dentro dessa faixa. Se o frigorífico estiver muito quente ou irregular, isso acelera a deterioração dos alimentos e aumenta o risco de desperdício alimentar.
7. Separar alimentos crus dos já cozinhados / prontos a consumir
Para evitar contaminações cruzadas, nunca coloque alimentos crus diretamente acima de alimentos prontos a consumir, sem uma barreira (recipiente bem fechado, prateleira, bandeja) entre eles.
8. Limpeza periódica e organização geral
- Faça uma limpeza profunda do frigorífico (prateleiras, gavetas, portas) a cada 3 a 6 meses ou sempre que necessário.
- Ao limpar, aproveite para remover alimentos estragados ou que passaram do prazo, de modo a evitar contaminações ou odores.
- Organize de modo que as prateleiras e zonas estejam nomeadas ou com categorias (ex: “sobras / comida pronta”, “laticínios”, “carnes cruas”, “frutas/legumes”) — isso ajuda os habitantes da casa a colocar cada coisa no sítio correto.

Exemplos práticos: disposição ideal (zona a zona)
| Zona / Localização | Tipo de alimentos indicados | Motivo / Observações |
|---|---|---|
| Prateleira mais baixa / fundo (zona mais fria) | Carnes cruas, peixes, aves (bem embalados) | Evita que líquidos pingem para outras prateleiras; expõe os alimentos de maior risco à temperatura mais segura. |
| Prateleiras intermediárias | Laticínios, iogurtes, queijos, ovos (em prateleira interior) | Temperatura mais estável, menos sujeito a flutuações da porta. |
| Prateleira superior | Alimentos prontos a comer, sobras, molhos prontos, pratos frios | Estão afastados de riscos de contaminação e podem tolerar temperaturas ligeiramente mais altas. |
| Gavetas / compartimentos de humidade | Frutas e legumes (separados conforme tipo) | As gavetas permitem controlo de humidade, retardam murchar ou apodrecimento. |
| Porta do frigorífico | Condimentos (molhos, maionese, ketchup), bebidas, conservas abertas | É a zona que sofre maior variação térmica — ideal para produtos menos perecíveis. |
| Congelador | Carnes, peixes, vegetais congelados, produtos industriais | Use recipientes bem selados, identifique datas e evite sobrecarregar. |
Algumas nuances:
- Em muitos frigoríficos, a zona mais fria pode estar no fundo ou no topo (dependendo do fluxo de ar). Por isso, convém observar (ou medir com termómetro) onde estão os “pontos mais frios”.
- Os ovos, se colocados na prateleira interior, devem estar com a ponta mais fina para baixo — isso ajuda a manter a câmara de ar no topo estabilizada.
- Frutas que libertam etileno (por exemplo, maçãs, bananas) devem ser separadas de vegetais sensíveis — pois o etileno pode acelerar o amadurecimento e deterioração de outros produtos.
Curiosidades e factos interessantes
- Ovos e a porta: muitos de nós temos o hábito de colocar os ovos na porta do frigorífico — mas esta prática é desaconselhada, justamente porque a porta sofre variações de temperatura frequentes que podem afetar a conservação do ovo.
- “Zona de perigo”: existe uma faixa de temperatura crítica (entre cerca de 5 °C e 60 °C) em que microrganismos multiplicam-se com facilidade. Guardar alimentos fora da zona segura acelera a deterioração e o risco de contaminação.
- Ar é inimigo dos alimentos: quanto mais ar em contacto com os alimentos (por exemplo, em embalagens largas, recipientes mal fechados), mais rápida é a deterioração. Por isso, é recomendado passar alimentos para recipientes proporcionais, bem fechados.
- Infinitas zonas térmicas: nem sempre “mais baixo = mais frio” — a realidade depende do modelo do frigorífico, do fluxo de ar, da localização da ventoinha, etc. Em muitos casos, a parte posterior de uma prateleira pode ser mais fria do que a frente.
- “Use-it-up shelf”: algumas dicas sustentáveis preconizam ter uma prateleira dedicada a “comer primeiro” (coisas que estão mais perto da data ou que precisam de ser usadas rapidamente). Assim, ajuda-se a reduzir o esquecimento de alimentos.
- Importância do termómetro interno: muitas vezes o mostrador ou botão do frigorífico não indica a temperatura real no interior — um termómetro dedicado é uma ferramenta simples e barata para garantir segurança.
- Frigoríficos muito cheios ou muito vazios prejudicam: tanto sobrecarregar como deixar demasiado espaço pode comprometer a eficiência térmica. O ideal é um equilíbrio que permita circulação de ar.
Arrumar bem o frigorífico é um gesto simples, barato e eficaz para combater o desperdício alimentar. Ao respeitar as zonas de frio, separar alimentos crus dos cozinhados, controlar prazos de validade, evitar colocar alimentos quentes diretamente no interior, permitir a circulação de ar e manter o frigorífico limpo, estamos a prolongar a vida útil dos alimentos e a poupar recursos — além de cuidar da nossa saúde.