Nas redes sociais, têm-se multiplicado os conselhos para melhorar a qualidade do sono, muitos deles sem qualquer base científica. Recentemente, ganhou popularidade a ideia de que comer uvas à noite poderia ajudar a dormir melhor, justificando tal afirmação devido ao facto das uvas terem melatonina no seu conteúdo, a hormona responsável pela regulação do ciclo sono-vigília.
Mas será que esta recomendação tem fundamento? Vamos analisar os factos.
A melatonina nas uvas: mito ou realidade?
Não há dúvida que as uvas contêm melatonina, especialmente as variedades de uva mais escuras. No entanto, como é explicado por alguns especialistas em medicina do sono e psiquiatras, a quantidade desta hormona presente nas uvas é relativamente baixa. Estudos indicam que o teor de melatonina nas uvas ronda os 3,9 nanogramas por grama (ng/g). No entanto, para se obter um efeito clinicamente significativo na qualidade do sono, seria então necessário consumir uma quantidade consideravelmente “exagerada” de uvas, o que não é, de todo, recomendado numa dieta equilibrada.
Para se ter uma noção mais clara, um suplemento de melatonina frequentemente utilizado para regular o sono, contém cerca de 0,5 a 5 mg de melatonina – uma quantidade muito superior à encontrada naturalmente nas uvas. Ou seja, isto vem comprovar que para atingir um efeito semelhante através do consumo desta fruta, seria mesmo necessário comer uvas à noite em quantidades seguramente não recomendadas.
Em suma, embora as uvas possam, de facto, contribuir para a ingestão de melatonina, o seu impacto isolado no sono pode considerar-se limitado. A somar a isto, há que ter em conta que a melatonina, por si só, não tem um efeito sedativo no imediato. Aliás, o papel da melatonina passar por preparar o organismo para dormir, ajustando o ritmo circadiano, enviando sinais ao cérebro de que é noite. Para que isso aconteça, são necessárias práticas de higiene do sono adequadas.

Além da melatonina, há igualmente outros nutrientes que têm uma relação e impacto direto no sono, tais como:
- Magnésio – Auxilia no relaxamento muscular e na redução do stress.
- Zinco – Contribui para a síntese de serotonina, um neurotransmissor que influencia a produção de melatonina.
- Ferro – Essencial para o transporte de oxigénio e o bom funcionamento cerebral, influenciando indiretamente o sono.
Contudo, estes são nutrientes com uma percentagem muito baixa nas uvas, o que as torna uma escolha menos eficaz para melhorar o descanso noturno, em comparação com outros alimentos mais ricos nestas substâncias.
Alimentos mais eficazes para melhorar o sono
Se o objetivo for aumentar os níveis de melatonina e favorecer um sono mais tranquilo, há opções alimentares mais eficazes do que as uvas, tais como:
- Ovos – Contêm melatonina e triptofano, um aminoácido essencial para a produção de serotonina.
- Leite – Rico em triptofano e cálcio, nutrientes que contribuem para um sono reparador.
- Nozes e amêndoas – Boas fontes de melatonina, magnésio e ácidos gordos saudáveis, que ajudam a relaxar o sistema nervoso.
- Bananas – Fornecem magnésio e potássio, promovendo o relaxamento muscular.
Uma alimentação equilibrada e a importância da higiene do sono
Apesar da alimentação desempenhar um papel fundamental na qualidade do sono, não há nenhum alimento que, por si só, possa ser considerado uma solução milagrosa para a insónia. Para isso, e mesmo sem existirem soluções milagrosas, é importante ter hábitos saudáveis e rotinas adequadas essenciais com vista a melhorar a qualidade do descanso.
Algumas práticas essenciais, aconselhadas pela Associação Portuguesa do Sono, para manter uma boa higiene do sono:
- Manter horários regulares para dormir e acordar.
- Criar um ambiente tranquilo e confortável no quarto.
- Evitar o consumo de cafeína, álcool e nicotina à noite.
- Reduzir a exposição a ecrãs pelo menos uma hora antes de dormir.
- Praticar exercício físico regularmente, mas evitar treinos intensos perto da hora de deitar.

Comer Uvas à Noite (Créditos: Unsplash)
Embora as uvas contenham melatonina, a quantidade presente nesta fruta é considerada insuficiente para causar um impacto significativo no sono, ao contrário do que tem sido amplamente propagado nas redes sociais. Em suma, não há nenhuma evidência científica que comprove que o consumo de uvas, por si só, tenha um impacto significativo e positivo na qualidade do sono.
Mais importante do que procurar uma solução imediata através da alimentação, é essencial adotar uma rotina saudável e manter uma boa higiene do sono para garantir noites bem dormidas e um descanso reparador. Portanto, se gosta de comer uvas à noite, pode continuar a comê-las sem problemas de consciência, mas sim como parte de uma dieta equilibrada, ainda que, por outro lado, não espere que elas, por si só, resolvam os seus eventuais problemas de sono. O caminho para noites bem dormidas passa por uma abordagem holística, que inclui alimentação, exercício e hábitos de vida saudáveis ou, em última instância, o acompanhamento supervisionada por algum especialista na área.






