O cancro do ovário é um dos tumores ginecológicos mais desafiantes de diagnosticar em estádios iniciais, o que o torna particularmente perigoso.
Globalmente, a Liga Portuguesa Contra o Cancro estima que sejam diagnosticados mais de 300 mil novos casos por ano, um número que sublinha a urgência de aumentar a consciencialização sobre esta patologia. Apesar de ser menos comum do que outros tipos de cancro femininos, como o da mama ou do colo do útero, continua a ser uma das principais causas de morte por doença oncológica entre as mulheres.
Esta fatalidade deve-se, em grande parte, à sua natureza “silenciosa”: os sintomas surgem frequentemente numa fase tardia, e não existe um programa de rastreio recomendado para a população em geral, como acontece com o cancro do colo do útero.
1. Mito ou Verdade: Não ter filhos aumenta o risco de desenvolver cancro do ovário?
VERDADE. A Dra. Joana Bordalo e Sá confirma: “Não ter filhos, aquilo a que chamamos nuliparidade, confere um risco aumentado, sim.” Esta associação é bem estabelecida na literatura científica. Acredita-se que a explicação biológica esteja ligada ao processo de ovulação. Cada ovulação implica uma rutura e reparação do tecido ovárico. Quanto mais ovulações uma mulher tem ao longo da sua vida reprodutiva (sem interrupções, como a gravidez ou o uso de contracetivos hormonais que inibem a ovulação), maior é o número de ciclos de stress e reparação celular, aumentando potencialmente o risco de mutações malignas ao longo do tempo.
No entanto, a ideia de que “quanto mais filhos uma mulher tem, menor será o risco de ter cancro do ovário” já não pode ser afirmada com a mesma certeza. A especialista esclarece que “não há evidência científica suficientemente sólida para afirmar que o risco continua a diminuir proporcionalmente com o número de gestações”. Embora a gravidez e o parto proporcionem períodos de “descanso” para os ovários, o benefício máximo parece ser alcançado com o primeiro ou segundo parto, e não há uma diminuição linear do risco com cada gestação adicional.
2. Mito ou Verdade: A pílula contracetiva protege contra o cancro do ovário?
VERDADE. A resposta da médica é categórica: “sim”. A toma prolongada do contracetivo oral combinado tem um efeito protetor e “bem documentado em diversos estudos”. Esta proteção está diretamente relacionada com os processos da biologia da ovulação. Ao inibir a ovulação normal, a pílula contracetiva diminui o número de alterações celulares nas estruturas ováricas ao longo da vida reprodutiva da mulher, reduzindo consequentemente o risco de mutações malignas.
Dados divulgados pelos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) indicam que as mulheres que usaram contracetivos orais têm o risco de desenvolver cancro do ovário reduzido para metade. Além disso, esta proteção parece ser duradoura. Vários estudos apontam para que, mesmo depois da interrupção da toma da pílula, o risco diminuído se mantenha por mais de 10 anos.
3. Mito ou Verdade: O diagnóstico do cancro do ovário faz-se através do Papanicolau?
MITO. “Isso é completamente falso”, explica a médica oncologista. O Papanicolau (ou citologia cervical) é um exame fundamental e amplamente utilizado para o rastreio e diagnóstico precoce do cancro do colo do útero, detetando alterações nas células cervicais que podem ser pré-cancerígenas ou cancerígenas. No entanto, não é o exame que serve para detetar o cancro do ovário.
A especialista salienta que, “quando são detetadas células anómalas num Papanicolau, o habitual é serem provenientes de um cancro do colo do útero”. Embora, “em casos muito avançados, o cancro do ovário possa manifestar-se indiretamente no colo do útero”, o Papanicolau continua a não ser a via de diagnóstico primária para esta doença. O diagnóstico de cancro do ovário é, normalmente, feito com recurso a exames de imagem, como a ecografia pélvica (transvaginal ou abdominal) e a TAC (tomografia computadorizada), que permitem visualizar os ovários e identificar a presença de massas ou tumores. Posteriormente, o diagnóstico é confirmado através de biópsia (remoção de uma pequena amostra de tecido para análise laboratorial) ou cirurgia.
4. Mito ou Verdade: O cancro do ovário é frequentemente diagnosticado numa fase inicial?
MITO. Infelizmente, a realidade é alarmante: “a maioria dos diagnósticos, cerca de 80%, é feita quando a doença já está numa fase avançada”, explica Joana Bordalo e Sá. Esta triste estatística deve-se, como já referido, ao facto de ser um “cancro silencioso” e de não haver um “rastreio previsto para a população” em geral.
Os sintomas iniciais do cancro do ovário são, de facto, vagos e facilmente confundidos com outras condições mais comuns e menos graves, como problemas gastrointestinais ou ginecológicos benignos. A oncologista acrescenta que, “por se tratar de um órgão tão ‘interno’, para começar a haver sintomas é porque [o tumor] já está muito grande ou já passou para outros órgãos”. Sinais de alarme que podem surgir numa fase mais avançada incluem alterações intestinais (obstipação ou diarreia persistente), aumento do volume abdominal (distensão abdominal, inchaço), queixas urinárias (necessidade frequente de urinar), perda de peso inexplicável, dor pélvica persistente ou até falta de ar (devido ao acumular de líquido no abdómen ou envolvimento de outros órgãos).

5. Mito ou Verdade: Ovário poliquístico pode evoluir para cancro do ovário?
MITO. Não está provado que a Síndrome do Ovário Poliquístico (SOP) evolua diretamente para cancro do ovário. Embora “possa haver uma associação entre as duas”, refere a especialista, esta “não quer dizer que seja causal”. A SOP é uma condição hormonal comum que afeta muitas mulheres, caracterizada por desequilíbrios hormonais que podem levar a ciclos menstruais irregulares, excesso de androgénios e quistos nos ovários.
No entanto, a SOP pode estar relacionada com outro cancro ginecológico: o cancro do endométrio. As mulheres com ovários poliquísticos têm, segundo algumas investigações, três vezes mais probabilidade de desenvolver cancro do endométrio. Esta associação deve-se, em parte, aos desequilíbrios hormonais da SOP que podem levar a um crescimento excessivo do revestimento uterino (endométrio).
6. Mito ou Verdade: A maioria dos casos tem origem hereditária?
MITO. “Não”, clarifica a presidente da FNAM. Embora as mutações hereditárias em genes como o BRCA1 e BRCA2 estejam bem documentadas como fatores de risco significativos para o cancro da mama e do ovário, “esses casos são minoritários”. Estima-se que apenas cerca de 5 a 10% dos casos de cancro do ovário tenham uma origem genética hereditária identificável.
A maioria dos diagnósticos de cancro do ovário não tem origem genética identificável, sendo considerados esporádicos. “O não ter tido filhos biológicos é mesmo das condições mais frequentes associadas”, sublinha a Dra. Joana Bordalo e Sá.
Existem, contudo, outros fatores de risco a ter em conta para o cancro do ovário esporádico. “A menarca precoce (primeira menstruação em idade jovem), a menopausa tardia (menopausa que ocorre em idade mais avançada), a ausência de uso de contracetivos orais” são alguns exemplos apontados. Além disso, a idade é um fator a ter em atenção: segundo a Liga Portuguesa Contra o Cancro, a maioria das mulheres diagnosticadas tem mais de 55 anos. Outros fatores como a obesidade, a endometriose e a história familiar de cancro do ovário (mesmo sem mutação genética conhecida) também podem aumentar o risco.
7. Mito ou Verdade: Se tenho antecedentes familiares, devo remover os ovários?
MITO (com nuances). “A remoção profilática dos ovários [ovariectomia bilateral profilática] é eficaz para prevenir o cancro, mas não se aplica a todas as mulheres”, adianta a especialista em oncologia. Esta cirurgia, que implica a remoção de ambos os ovários e, por vezes, das trompas de Falópio, é uma medida drástica que induz a menopausa precoce e acarreta riscos e benefícios que devem ser cuidadosamente ponderados.
“Só no caso de haver mutações hereditárias nos genes BRCA1 e BRCA2 é que se pondera a remoção dos ovários. Havendo esta mutação hereditária, justifica-se a vigilância apertada e, em alguns casos, a cirurgia”, explica a Dra. Joana Bordalo e Sá. A decisão de remover os ovários profilaticamente é complexa e deve ser tomada em conjunto com uma equipa médica multidisciplinar, após aconselhamento genético e consideração de todos os riscos e benefícios individuais.
Mesmo nesses casos, a remoção dos ovários, “normalmente, só é feita depois de a mulher ter completado o seu ciclo reprodutivo”, destaca a especialista, permitindo que a mulher cumpra o seu desejo de ter filhos antes de tomar uma decisão tão significativa.
Para Além dos Mitos: A Importância da Consciencialização e da Investigação
Embora os sintomas do cancro do ovário sejam vagos e o rastreio generalizado ainda não seja uma realidade, a consciencialização para os fatores de risco e para os sinais de alerta é crucial. Mulheres com fatores de risco aumentados, como histórico familiar significativo ou mutações genéticas conhecidas, devem discutir com o seu médico a possibilidade de vigilância apertada ou de outras medidas preventivas.

A investigação científica continua a ser fundamental para desenvolver métodos de deteção precoce mais eficazes e tratamentos mais direcionados. O Dia Mundial do Cancro do Ovário, a 8 de maio, serve como um importante lembrete da necessidade de apoiar a pesquisa e de capacitar as mulheres com o conhecimento necessário para proteger a sua saúde. Se sentir sintomas persistentes ou preocupantes, procure sempre aconselhamento médico. A informação é a nossa melhor arma na luta contra esta doença.








