Problemas no 737 MAX, falhas na produção e crises laborais, são os sinais demonstrados pela Boeing numa crise que se agudiza, que colocam em risco a reputação da marca e, nomeadamente, a confiança dos seus principais clientes.
Boeing (Breve Contextualização)
Fundada em 1916, a Boeing foi uma das pioneiras na produção de aeronaves comerciais e militares, sendo responsável por alguns dos modelos mais marcantes da história da aviação, como é o caso do “eterno” 747, também conhecido como “Jumbo Jet” ou até “Queen of The Skies” (Rainha dos Céus), uma das aeronaves mais facilmente identificáveis, devido à sua saliência na parte superior frontal da fuselagem, reservada para a primeira classe, naquele que seria o primeiro avião de “dois andares”. Além do 747, A Boeing é igualmente responsável por um dos maiores sucessos no mundo da aviação, com o modelo 737, o avião comercial mais vendido de sempre.
Voos Turbulentos
No entanto, nos últimos anos, a Boeing tem enfrentado alguma turbulência devido a uma série de crises, que têm abalado tanto a confiança na sua marca, como a estabilidade da indústria aeronáutica no geral. Se, só por isso, tal já seria preocupante, quando se começa a aprofundar as origens dos problemas de qualidade, associados a falhas de produção além da dependência de fornecedores estratégicos, começa-se a desenhar uma receita perigosa, com todos os ingredientes “explosivos” para correr mal, algo que a história, infelizmente, já tratou de nos mostrar por diversas vezes.
O caso mais recente desta crise na Boeing que se agudiza, ocorreu a 5 de janeiro de 2024, num voo operado pela Alaska Airlines com um Boeing 737 MAX 9, que se viu obrigado a declarar emergência logo após a descolagem, devido ao desprendimento de um tampão da porta de emergência, o que causou um buraco na fuselagem.
Apesar de não ter causado vítimas mortais, a conclusão, de acordo com a agência norte americana responsável pela segurança dos transportes (NTSB), de que faltavam quatro parafusos porque não tinham sido substituídos na fábrica da Boeing é, além de assustadora, reflexo da irresponsabilidade da marca, que teve como consequência a paralisação temporária de todos os voos do modelo 737 MAX 9, afetando duramente as companhias aéreas que recorrem a este modelo em específico.
Alaska Airlines flight #AS1282, a Boeing 737 MAX 9, experienced a rapid decompression after the loss of a large panel that included an emergency exit door on the left side of the plane.
— Aviation Safety Network (ASN) (@AviationSafety) January 6, 2024
The flight made a safe return to Portland (PDX).pic.twitter.com/KH4gs0X4o6
Alaska Airlines offered passengers $1,500 compensation after the plane door ripped off 16,000 feet in the air pic.twitter.com/3RN0edKnXB
— Daily Loud (@DailyLoud) January 15, 2024
Perdas Financeiras
Só a Alaska Airlines, por exemplo, relatou perdas diretas de 150 milhões de dólares, apenas na primeira semana de paralisação, além de uma desaceleração nos planos de expansão e empresas como a American Airlines e Southwest, provavelmente as duas maiores companhias que mais recorrem a este tipo de avião, expressaram descontentamento, com seus responsáveis a exigir medidas urgentes por parte da Boeing.
Contextualizando a origem do 737 MAX, tratou-se de uma evolução do popular 737, focado em melhorar as relações, com motores mais eficientes, melhorias aerodinâmicas e modificações na fuselagem. Infelizmente, esteve envolvido em dois trágicos acidentes, em outubro 2018 e março de 2019, que resultaram na morte de 346 pessoas. Estes acidentes foram atribuídos a falhas no sistema de controlo de voo (MCAS), um sistema específico deste modelo e que impedia que a aeronave automaticamente corrigisse ângulos de ataque (inclinação do avião), o que levou à suspensão global das operações por quase dois anos.
🗓 | 𝗢𝗻 𝗧𝗵𝗶𝘀 𝗗𝗮𝘆 (𝟮𝟬𝟭𝟴): Lion Air Flight 610 crashes into the Java Sea 13 minutes after taking off from Jakarta, all 189 on board die. The investigation found a flaw in the MCAS system, with a further crash in March 2019 causing a worldwide grounding of the MAX 8. pic.twitter.com/NXnjnbvvwa
— Air Crash Investigation (@AirCrash_) October 29, 2023
🗓 | 𝗢𝗻 𝗧𝗵𝗶𝘀 𝗗𝗮𝘆 (𝟮𝟬𝟭𝟵): Ethiopian Airlines Flight 302 crashes shortly after departing Addis Ababa, all 157 on board die. A faulty angle of attack sensor had accidentally activated the MCAS system. It was the 2nd MAX 8 accident in 5 months, after Lion Air Flight 610. pic.twitter.com/mGHJv2yWiK
— Air Crash Investigation (@AirCrash_) March 10, 2024
737 MAX / 787 e 777 MAX: Inovação vs Problemáticas
A crise do 737 MAX foi e continua a ser, um dos maiores golpes na história da Boeing, não só devido às implicações de segurança, mas também pelos efeitos económicos, com a empresa a pagar milhões em indemnizações e a sofrer uma quebra na confiança dos seus clientes. Por outro lado, o 737 MAX não é caso único, já que também o 787 Dreamliner, apresentado como uma nova era de eficiência e conforto em voos de longo curso, tem evidenciado problemas de qualidade. Um dos problemas mais críticos e amplamente divulgados foi o sobreaquecimento das baterias de lítio, sendo que por duas vezes chegaram mesmo a incendiarem-se.
Por outro lado, os frequentes problemas estruturais. O 787 usa materiais compostos de fibra de carbono em grande parte da fuselagem e das asas e embora se tratem de materiais leves, que ajudam a reduzir o consumo de combustível, também têm levantado questões relacionadas com a integridade estrutural, o que exigiu inspeções e reparações em massa, resultando, mais uma vez, em atrasos significativos na produção e entrega destas aeronaves.
Fornecedores e a (falta) Qualidade dos Componentes
Comprovado está que grande parte das dificuldades atuais da Boeing está diretamente ligada com a cadeia de fornecedores. Entre as principais estão a Spirit AeroSystems, responsável pela produção de componentes críticos, como fuselagens e peças estruturais dos aviões e que tem sido apontada como uma das principais fontes dos problemas. Com as recentes e pertubadoras revelações internas partilhadas por antigos funcionários, tudo leva a crer que este será mesmo um dos pontos mais críticos e uma que urgentemente precisa de resolução.
Outro fornecedor importante é a General Electric (GE Aviation), responsável pelo fabrico dos motores para vários modelos da Boeing, incluindo o já não tão futuro 777X, o último dos projetos da fabricante que já se encontra na fase de testes. Todavia, problemas detetados nos motores do 777X, produzidos pela GE, já causaram atrasos no cronograma de certificação deste novo avião de grande porte, que surgia com o objetivo de substituir os antigos modelos 747, que já nem sequer voam atualmente, bem como as versões 777, um dos modelos mais usados para voos de longo curso.
Têm sido muitos os desafios colocados à Boeing. A “dependência” de fornecedores externos para componentes cruciais, tem acrescido desafios de produção. Além das questões de qualidade, a pandemia da COVID-19 e a guerra na Ucrânia também contribuíram para a disrupção da cadeia de fornecimento, aumentando o custo de materiais e dificultando a entrega de peças a tempo.
O referido 777X, projetado para ser maior e mais eficiente avião comercial do mundo, tem sofrido repetidos atrasos. Desde o início do projeto, em 2013, o 777X já foi alvo de variadíssimas alterações de agenda, com a data de entrada em serviço, agora prevista apenas para 2025. Além dos motores, o avião enfrentou problemas no design das asas e nos sistemas de controlo de voo, o que atrasou a certificação pelas autoridades reguladoras, cada vez mais atenta, espera o consumidor, a este tipo de situações.
Outro projeto que está a ser observado de perto é o 737 MAX 10, a variante maior do 737 MAX. Embora se trate de um modelo que pretende competir diretamente com a concorrência e o seu A321neo da Airbus, o MAX 10 está igualmente a enfrentar dificuldades para cumprir os requisitos de certificação, o que poderá colocar em risco a sua viabilidade comercial. Este modelo também está a ser submetido a uma rigorosa fiscalização, devido ao histórico dos problemas do MCAS no 737 MAX original.
Pelo meio, temos a Airbus, a referida concorrente direta da Boeing. Enquanto esta última luta com os seus problemas internos, a Airbus tem conseguido capitalizar e conquistar novos contratos com o seu A320neo, o maior rival do 737MAX, bem como com o seu A350 tem liderado no que ao mercado de aviões de longo curso diz respeito, contra as apostas da Boeing com o 787 Dreamliner, agora mais normalizado, é certo e o 777X como principal aposta futura.
O que está reservado para a Boeing?
A Boeing, que outrora era a referência incontestável na aviação comercial, confirmada pelo slogan “If It’s Not Boeing, I’m Not Going”, vê-se agora numa situação periclitante, para a qual a gestão dos seus problemas será fundamental para determinar se conseguirá recuperar a sua posição de liderança ou se, como já aconteceu no passado, seguirá o caminho da McDonnel Douglas que, nos anos 90, passou por uma crise semelhante antes de ser absorvida pela própria Boeing.
Se, por um lado, é certo que e principalmente no que diz respeito à aviação não há criação sem os problemas inerentes, por outro, não deixa também de ser gritante as dificuldades evidentes pelas quais a Boeing tem passado e parece que continua a passar. David Calhoun, o atual CEO da Boeing e outros executivos relevantes, anunciaram recentemente a sua saída dos cargos, numa altura em que a Boeing enfrenta uma nova onde críticas relativamente aos seus novos modelos, ao mesmo tempo que lida com a insatisfação e pressão dos seus trabalhadores e os desafios constantes e diários de uma indústria constantemente em movimento.
Certo é que a recuperação da Boeing vai inteiramente depender da sua capacidade de resolver todos os problemas internos e, igualmente importante, manter a confiança dos seus clientes num setor que é, por definição, um dos mais exigentes e competitivos. A história diz-nos que em situações semelhantes foram poucos aqueles que se superaram e, por tal, espera-se que a Boeing se agigante e consiga deixar os céus mais pacíficos e longe da turbulência que tem vivido.
Curiosidades:
- A crise do 737 MAX foi responsável pela maior paralisação de entregas de aviões da Boeing desde a Segunda Guerra Mundial.
- O 787 Dreamliner é o primeio avião comercial a ser construído em grande parte com materiais compósitos, o que o torna mais leve e eficiente em termos de consumo de combustível.
- O 777X, que está em desenvolvimento, terá as maiores asas alguma vez construídas para um avião comercial, com uma envergadura superior a 70 metros, o que exigiu que fossem desenhadas asas dobráveis para facilitar o estacionamento nos aeroportos.
Pode ler outras artigos aqui e siga-nos no Facebook e no Instagram.
Se quiser descobrir novas formas de viajar mais seguras e económicas clique aqui.