Após mais de quatro décadas a definir tendências e a lançar artistas, a MTV prepara-se para encerrar os seus canais musicais na Europa.
Em Portugal, o canal MTV marcou várias gerações, moldando toda uma nova cultura televisiva. Foi com o icónico refrão “Video Killed the Radio Star” que, a 1 de agosto de 1981, a MTV se apresentou ao mundo. A escolha não podia ser mais simbólica: um videoclipe que anunciava o fim da era da rádio como principal meio de promoção musical. Iniciava-se, assim, uma revolução cultural que marcaria as décadas seguintes — e que agora, mais de 40 anos depois, prepara o seu capítulo final.
O declínio e as reestruturações
A Paramount Global, dona da MTV, anunciou o encerramento de cinco canais musicais até ao final deste ano: MTV Music, MTV 80s, MTV 90s, Club MTV e MTV Live. A operação começa no Reino Unido e Irlanda, estendendo-se depois à Europa continental, que inclui a França, Alemanha, Áustria, Polónia e Hungria, bem como Portugal, antes de atravessar o Atlântico e chegar a mercados como o do Brasil e o da Austrália.
A decisão faz parte de um plano de reestruturação e redução de custos, mas, quer queiramos ou não, simboliza também algo de bem maior: o declínio de um formato que definiu uma geração e que, hoje, luta para sobreviver num mundo dominado pelo streaming, pelas redes sociais e pelos complexos algoritmos que fazem destas o fator de imersão que todos reconhecemos que são.
Quando a música tinha um canal próprio
Durante décadas, a MTV foi sinónimo de cultura pop. Lançou artistas, criou modas, influenciou estilos e representou o ponto de encontro de milhões de jovens em todo o mundo. Em Portugal, a MTV chegou em 2003 com uma versão nacional — a MTV Portugal —, adaptada à realidade local e com apresentadores portugueses, numa aposta clara na proximidade com o público jovem.
Programas como MTV News, The Hills, Pimp My Ride, Jackass ou My Super Sweet 16 tornaram-se parte do quotidiano de toda uma geração que via na MTV uma janela para o que de mais novo acontecia no mundo. O canal não era apenas um espaço para videoclipes; era um espelho das aspirações e dos exageros da cultura pop dos anos 2000.
E se os artistas internacionais dominaram o ecrã, também os portugueses tiveram o seu espaço. Foram transmitidos especiais dedicados a nomes como Da Weasel, Blasted Mechanism ou The Gift, tendo ainda a MTV apoiado várias iniciativas musicais e até festivais, reforçando a ligação entre televisão, juventude e cultura urbana.
O poder dos videoclipes e a era dourada
Nos anos 80 e 90, ter um videoclipe na MTV era o equivalente a uma consagração. Foi ali que Madonna consolidou a sua imagem provocadora, que Michael Jackson transformou o Thriller num fenómeno global e que bandas como Guns N’ Roses, Nirvana e Pearl Jam se tornaram referências de muitos.
Porém, o canal não exibia apenas música; ele criou toda uma cultura visual da música. Os artistas passaram a investir fortemente na estética dos videoclipes, que se tornaram obras de arte em miniatura. Realizadores como David Fincher e Spike Jonze começaram as suas carreiras a filmar videoclipes para o canal.
E quem não se lembra do MTV Unplugged? O formato íntimo e acústico revelou um outro lado dos músicos, que acabou por dar origem a atuações lendárias, como a dos Nirvana em 1993 — gravada poucos meses antes da morte de Kurt Cobain e transmitida no ano seguinte, tornando-se um dos episódios mais emblemáticos da história da música moderna.
O impacto em Portugal
Em Portugal, a chegada da MTV significou uma mudança de paradigma. Até então, os programas musicais limitavam-se a espaços pontuais em canais generalistas. De repente, havia um canal inteiramente dedicado à música, à cultura jovem e às tendências internacionais.
Os “VJs” (video jockeys) tornaram-se figuras de referência — jovens, carismáticos e sempre à frente das tendências. As entrevistas, os charts semanais e as estreias exclusivas faziam da MTV um ponto de encontro entre o entretenimento e a descoberta musical.

Contudo, o tempo trouxe mudanças. A ascensão do YouTube, em 2005, marcou o início de uma nova era. A música passou a estar disponível on demand, e as gerações mais jovens deixaram de esperar pela estreia de um videoclip na televisão. A MTV adaptou-se, investindo em reality shows e conteúdos de entretenimento, mas, e como tudo na vida, foi perdendo, gradualmente, a essência que a tornara especial. Os tempos mudam, as pessoas sem se aperceberem, fazem os tempos mudarem.
No seu caso… lembra-se da última vez que ficou a ver algo no canal, além do simples passar num zapping desenfreado, que ainda consta da grande maioria, se não mesmo da totalidade, dos operadores de serviços televisão? Não deixa de dar que pensar.
Curiosidades e marcos históricos
- 🎥 Primeiro videoclipe exibido: Video Killed the Radio Star (The Buggles) — 1 de agosto de 1981.
- 🎤 Primeiro VJ: Mark Goodman, seguido por Nina Blackwood, Alan Hunter, Martha Quinn e J.J. Jackson.
- 🧑🎤 Artistas mais transmitidos dos anos 80: Madonna, Michael Jackson e Duran Duran.
- 🌍 Chegada à Europa: 1987, com a MTV Europe; em Portugal, 2003, com a versão nacional.
- 🪶 MTV Unplugged mais visto: Nirvana (1993), seguido por Eric Clapton (1992).
- 🧨 Primeira transmissão 24 horas: 1981, algo inédito na altura.
- 📺 Evolução digital: A MTV foi uma das primeiras marcas televisivas a criar uma presença ativa no YouTube e no Instagram, tentando acompanhar o público que a televisão já não retinha.
O fim de uma era (e o início de outra)
A notícia do encerramento é, em muitos sentidos, o fim de uma era — mas também um reflexo inevitável da evolução dos tempos. O consumo musical tornou-se fragmentado, individual e imediato. As redes sociais, conseguem ser tudo isto com um simples arrastar do dedo. Não obstante, a MTV foi mais do que um “simples” canal — foi uma linguagem, uma estética, uma forma de viver a música, uma forma de estar que deixa uma marca profunda em várias faixas etárias, que nunca vai ficar esquecida e apagada. A MTV desliga-se, mas não desaparece, apenas “muda de frequência”.






