No dia Mundial da Saúde Mental, 10 de Outubro, 13 obras cinematográficas, do drama à comédia, que exploram as várias complexidades da mente humana.
É no dia 10 de outubro que se celebra o Dia Mundial da Saúde Mental, uma oportunidade perfeita para nos debruçarmos sobre o tema e para refletirmos sobre a importância do bem-estar psicológico e o quanto ele nos toca no dia a dia. O cinema, como arte, há muito tempo que tem vindo a ser utilizado como um espelho das emoções humanas, com filmes e séries que abordam temas complexos, mas de extrema importância e relevância na atualidade, como depressão, ansiedade, transtornos de personalidade e muitos outros.
Com esta celebração em mente, reunimos uma lista de filmes, que consideramos serem um retrato fiel, real e com a sensibilidade necessária para descrever ou dar a conhecer as batalhas enfrentadas por milhões de pessoas no mundo, todos os dias. Todavia, queremos realçar que é sobre a temática da Saúde Mental no cinema que nos estamos a debruçar e, por isso, a numeração dada a cada um dos títulos apenas representa uma ordem na lista e não qualquer aspeto qualitativo relativo ao filme em si.
1. “One Flew Over the Cuckoo’s Nest” (1975) // “Voando sobre um Ninho de Cucos“
Dirigido por Milos Forman e protagonizado por Jack Nicholson, este é um clássico, além de uma referência, quando se fala em saúde mental. A história passa-se num hospital psiquiátrico, onde o rebelde Randle McMurphy desafia a autoridade da enfermeira-chefe, revelando os abusos e tratamentos desumanos sofridos pelos pacientes aos cuidados desta instituição. O filme aborda questões como o confinamento involuntário e a saúde mental institucionalizada, que gera uma forte crítica social.
É um filme “pesado”, denso e igualmente tocante, seja pela temática, seja pelo conteúdo, com uma brilhante interpretação de Jack Nicholson e Louise Fletcher, no papel da enfermeira. Voando sobre um Ninho de Cucos venceu cinco Óscares e nas principais categorias, Melhor Filme, Melhor Realização, Melhor Ator Principal e Secundário, Melhor Atriz Secundária, Melhor Fotografia e Montagem, Melhor Argumento Adaptado e ainda Melhor Banda Sonora. Se ainda não viu, este é um clássico intemporal e um que, simplesmente não envelhece com o passar do tempo.
2. “Shutter Island” (2010) // “A Ilha do Medo“
Martin Scorsese transporta-nos para uma ilha sinistra, onde um detetive (Leonardo DiCaprio) investiga o desaparecimento de uma paciente de um hospital psiquiátrico. Este thriller psicológico explora a ténue linha entre a sanidade e a loucura, conseguindo excetuar um jogo perfeito com a perceção do espectador. Além de ser uma obra-prima do suspense, o filme oferece uma visão sobre traumas psicológicos e dissociações da realidade. A grande mestria deste título é conseguir gerir e manter a expetativa do espectador até ao seu chocante e igualmente marcante final.
O eventual “senão” de “Shutter Island” é que talvez possa levar o espectador numa determinada direção, encaminhando-o para um thriller policial, sem a penumbra psicológica que Scorcese tão bem soube incutir noutras das suas obras, o que, no final, pode deixar alguns mais desiludidos. Policial ou não, é um grande filme e um que nos deixa com questões pertinentes e marcantes e que revela de forma igualmente marcante as complexidades da mente humana e a forma como esta trata dos seus traumas.
3. “Into the Wild” (2007) // “O Lado Selvagem“
Talvez um dos títulos mais “afastado” da temática em si, mas, na nossa opinião, com alguns argumentos fortes para ser colocado nesta lista. “Into the Wild”, realizado por Sean Penn, é baseado em factos reais e narra a jornada de Christopher McCandless, um jovem que decide deixar para trás carro, família rica, diploma e todos os bens materiais, incentivado pelo desejo de uma busca por autoconhecimento e distância de uma sociedade nocivamente capitalista, refugiando-se na natureza selvagem do Alasca.
Embora não aborde diretamente a temática das doenças mentais, a história de isolamento voluntário não deixa de convidar a uma reflexão profunda sobre o impacto do stress que diariamente sentimos nas mais variadíssimas situações e que podem levar à fuga psicológica e neste caso física também. Goste-se ou não, McCandless, além de ser um personagem complexo, era alguém que procurava a paz interior ao mesmo tempo que enfrentava os seus medos, sempre na busca daquilo que todos nós procuramos… a Liberdade.
4. “Silver Linings Playbook” (2012) // “Guia para um Final Feliz“
Esta comédia dramática, realizada por David O. Russell e protagonizada por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, explora o transtorno bipolar de uma forma sensível e, por vezes, cómica, por parte do personagem interpretado por Cooper e a dificuldade que é viver com o luto e o desiquilibro emocional que tal acarreta, na interpretação da personagem de Lawrence, que acabaria por ganhar o Óscar pelo seu desempenho.
O filme revela como os relacionamentos e o apoio familiar são cruciais no processo de qualquer cura e a importância que as pessoas que nos rodeiam e nos querem bem têm para todo esse processo. “Guia para um Final Feliz” é uma história inspiradora, honesta e, em certos momentos, adorável, que nos mostra que mesmo no meio da adversidade, do desespero, da injustiça, que por vezes é a vida, das lágrimas e da tristeza, também é possível sorrirmos e brilharmos, cada um à sua maneira. É uma história que, tal como o título deixa antever, tem mesmo um final feliz e não há nada de errado com isso.
5. “As Good as It Gets” (1997) // “Melhor É Impossível“
Com Jack Nicholson no papel de um escritor com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e Helen Hunt como a empregada de mesa que o ajuda a reencontrar o sentido da vida, é um filme que combina momentos de humor, mas também uma análise sobre a condição. Ao longo da narrativa, podemos ir vendo como o protagonista lida com os seus rituais compulsivos.
Situações como não pisar linhas, comer com os seus próprios talheres, repetir a forma de trancar a porta, não suportar ser tocado por outros, mostram como estas rotinas afetam não só a vida dele, mas também a das pessoas ao seu redor. Tanto Hunt como Nicholson acabariam por ganhar o Óscar por Melhor Ator e Atriz, naquele que é um filme que consegue fundir bem o género de comédia com drama e que consegue passar a sua mensagem com leveza, mas também com a seriedade que o tema assim obriga.
6. “Black Swan” (2010) // “Cisne Negro“
Darren Aronofsky conduz-nos a um perturbador retrato da obsessão pela perfeição, com pano de fundo a temática do ballet. E só aqui, já se pode observar o contraste tremendo, entre o ballet mais tradicional, onde o branco, os movimentos fluídos e serenos, quase como se levitassem, se misturam com a escuridão que é uma qualquer obsessão. Natalie Portman (vencedora do Óscar para Melhor Atriz) brilha como Nina, uma bailarina cuja busca pela excelência a leva para uma espiral de autodestruição.
“Cisne Negro” não só aborda temas relacionados com Saúde Mental, como a ansiedade, tão em voga na atualidade, e os distúrbios alimentares, mas também a fragilidade psicológica humana a que qualquer um de nós está sujeito e que resulta das mais varias fontes de pressões externas e até internas. É um filme denso, psicologicamente pesado e, por vezes, até difícil de se ver, mas um que consegue retratar a penumbra, a escuridão e a dificuldade que é sair destes ciclos viciosos depois de lá entrarmos.
7. “Good Will Hunting” (1997) // “O Bom Rebelde“
Com Matt Damon e Robin Williams nos papéis principais, este filme explora as questões emocionais de um jovem prodígio com um passado traumático. A relação entre a personagem de Damon, Will Hunting e o terapeuta interpretado por Williams é o cerne da narrativa, mostrando a importância da terapia no processo de aceitação e crescimento pessoal. É um filme agradável de se ver, com questões pertinentes, tanto da perspetiva da Damon, como da do terapeuta.
Aliás, esta é uma abordagem muito curiosa do ponto de vista do processo de terapia, pois mostra o quanto é necessário e importante existir uma ligação humana entre as duas partes. Não será, portanto, difícil de perceber a necessidade das primeiras sessões, passadas em absoluto silêncio entre os dois, até uma das partes começar, lenta e gradualmente, a “abrir o jogo”. Dar espaço ao outro é sempre o mais importante. Como curiosidade, o filme foi escrito por Matt Damon e Ben Affleck quando eram jovens atores em ascensão.
8. “The Hours” (2002) // “As Horas“
Um drama intenso, baseado no livro de Michael Cunningham, que apresenta três histórias de mulheres em diferentes épocas, todas elas ligadas pela obra de Virginia Woolf. Nicole Kidman, que venceu o Óscar de Melhor Atriz pelo seu papel, interpreta Woolf, cuja luta com a depressão é o fio condutor da narrativa. O filme explora temas importantíssimos da Saúde Mental, como o suicídio, o isolamento e as dificuldades emocionais, oferecendo uma visão sensível sobre os desafios da saúde mental.
9. “Adam” (2009)
Dirigido por Max Mayer, este filme independente conta a história de Adam, um jovem com síndrome de Asperger que navega pelo mundo das relações humanas e sociais, enquanto tenta gerir os desafios que a sua condição traz. A história mostra o impacto da aceitação e do amor, tanto para Adam como para os que o rodeiam. Hugh Dancy oferece uma interpretação subtil e tocante, revelando o lado humano e, por vezes, isolado de quem vive com um transtorno do espectro autista.
10. “The Aviator” (2004) // “Aviador“
Martin Scorsese volta à lista com “Aviador”, uma cinebiografia do magnata da aviação Howard Hughes, interpretado por Leonardo DiCaprio. É um filme que mergulha nos desafios mentais de Hughes, nomeadamente o transtorno obsessivo-compulsivo, que acabou por o conduzir ao isolamento progressivo. É um filme intenso e com algumas cenas pesadas e marcantes. “Aviador” é um retrato fascinante de como uma mente brilhante pode ser ao mesmo tempo uma prisão, ilustrando as batalhas internas de uma das figuras mais excêntricas do século XX e um dos retratos mais fieis sobre Saúde Mental. A atenção aos detalhes da condição de Hughes torna o filme uma referência no estudo da saúde mental.
11. “A Beautiful Mind” (2001) // “Uma Mente Brilhante“
Realizado por Ron Howard, conta a história verídica do matemático John Nash, que lutou contra a esquizofrenia, enquanto revolucionava a teoria dos jogos, tendo-lhe sido atribuído o Prémio Nobel de Economia, em 1994 e sendo responsável por vários progressos fundamentais na aplicação de ferramentas matemática noutras disciplinas, Nash é considerado um dos grandes cérebros matemáticos das últimas décadas.
Russell Crowe brilha no papel de Nash, mostrando a batalha diária entre a genialidade e a doença mental. A história realça como o apoio da família e o tratamento adequado podem permitir que uma pessoa com uma condição complexa continue a ter uma vida produtiva. O filme venceu quatro Óscares, incluindo o de Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Atriz Secundária e Melhor Argumento Adaptado, sendo um dos mais aclamados quando o tema é a saúde mental.
12. “Girl, Interrupted” (1999) // “Garota, Interrompida“
Angelina Jolie e Winona Ryder protagonizam este filme, baseado nas memórias de Susanna Kaysen, uma jovem que passa algum tempo numa instituição psiquiátrica nos anos 60. Jolie, que venceu um Óscar pelo seu papel como uma paciente sociopata, destaca-se neste retrato poderoso da vida num hospital psiquiátrico, onde várias condições mentais são exploradas, levantando questões sobre os limites entre “loucura” e “normalidade”.
13. “American Psycho” (1999) // “Psicopata Americano“
Filme baseado no controverso romance de Bret Easton Ellis e que oferece uma reflexão perturbadora sobre os extremos da psicopatia e a alienação nas sociedades modernas. Protagonizado por Christian Bale, a história centra-se em Patrick Bateman, um executivo de Wall Street cuja vida, aparentemente perfeita, esconde uma mente profundamente distorcida. Embora o filme seja mais conhecido pela sua violência gráfica e momentos de humor negro, é um filme especialmente crítico relativamente à desumanização e à pressão social pela constante procura da perfeição e status.
O protagonista vive uma vida dupla, onde as aparências e a frieza emocional conduzem à incapacidade de sentir empatia ou culpa – características normalmente associadas a transtornos psicopáticos e apesar de “American Psycho” não ser um estudo clássico sobre doenças mentais, não deixa de oferecer um retrato marcante da deterioração psicológica, o que o transforma numa obra inquietante, tanto no contexto da saúde mental como no da sociedade.
Nos últimos anos, as representações da saúde mental no cinema tornaram-se mais diversas, abrangendo várias perspetivas e experiências. Filmes como “Joker” (2019), que examina a alienação social e o impacto da doença mental não tratada e “Inside Out” (2015), uma animação da Pixar que explica de forma acessível e extremamente pertinente a complexidade das emoções humanas, são exemplos de como o cinema pode funcionar como uma ferramenta poderosa de sensibilização. Este último, além da referida ferramenta, pode inclusive facilitar aos mais novos, com a devida supervisão e explicação dos adultos, uma porta de entrada nas questões da saúde mental que, como vamos vendo com cada vez mais frequência, também cada vez mais cedo atinge os mais jovens.
O cinema é apenas e só uma das muitas ferramentas e, eventualmente, uma que além de conseguir chegar a muitos públicos, tem ainda o imenso poder de criar empatia e entendimento em torno de temas delicados, como é o da a saúde mental. À medida que assistimos a estas histórias, muitas vezes conseguimos reconhecer as lutas dos personagens como reflexos das nossas próprias experiências ou das de pessoas que nos são próximas.
Em 2024, o debate em torno da saúde mental é mais pertinente do que nunca, especialmente se tivermos em conta a crescente visibilidade das doenças mentais nos media e na sociedade. Tentemos, juntamente com todas estas obras, fazer disso um ponto de partida para algo melhor.